Rafael Chagas e
Bernardo Cotrim*
Nas últimas duas
eleições, para o governo do estado e para a prefeitura da capital, o PT do Rio
se coligou com o PMDB. Há 6 anos participa do governo estadual, comandado por
Sérgio Cabral, e há 4 anos da prefeitura da capital, capitaneada por Eduardo
Paes. Essa aliança tem engendrado um conjunto de contradições que tem colocado
limites aparentemente insuperáveis ao nosso projeto no estado do Rio de
Janeiro.
O PT do Rio de Janeiro
não acompanhou o crescimento do PT nacional nos processos eleitorais a partir
de 2002. Em 2002, apesar de uma votação expressiva, Benedita da Silva sequer
chegou ao segundo turno nas eleições para o governo estadual. Na eleição
estadual de 2006 e nas municipais da capital em 2004 e 2008, com Vladimir
Palmeira, Bittar e Molon, respectivamente, o PT não alcançou nem 10% dos votos
válidos.
Cabe destacar, neste
cenário, vitórias pontuais do PT no Estado, como a eleição de Lindbergh para
prefeito de Nova Iguaçu em 2004 e 2008 e como o senador mais votado do RJ em
2010 ou os dois governos Artur Messias em Mesquita. No entanto, em 2012, apesar
de vitórias em cidades importantes como Angra, que o PT volta a dirigir depois
de 12 anos, e da quarta vitória seguida em Paracambi, o PT não ganhou nenhuma
cidade com mais de 200.000 habitantes no primeiro turno, e disputa o segundo
turno apenas em Niterói (Petrópolis, onde o PT ficou em terceiro lugar, aguarda
decisão do TSE sobre a impugnação do candidato do PSB, que terminou em primeiro
lugar).
O fracasso eleitoral do
PT transformou o Rio de Janeiro no estado mais suscetível a pressão do PT
nacional para conformar chapas com o PMDB em troca de apoios em outros estados.
Além disso, o governo Sérgio Cabral e depois o governo do Eduardo Paes se
tornaram grandes aliados políticos do governo federal. Com a realização da
final da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Rio de Janeiro, o estado foi
privilegiado com volumosos investimentos federais. Políticas públicas nacionais
tiveram o Rio de Janeiro como modelo de implementação e as UPAs, política fundamental
do governo Cabral, viraram uma das principais políticas nacionais na área de
saúde.
Essa conjuntura
possibilitou a conformação de uma maioria no PT estadual na defesa de uma
aliança com o PMDB no estado e na capital. Após as eleições de 2012 torna-se
necessário apontar os limites e as perspectivas desta política levando em
consideração duas questões. A primeira em relação às possibilidades de
construção de um projeto democrático no Rio de janeiro e a segunda em relação
ao projeto partidário no estado.
Os
limites e as possibilidades de consolidação de um projeto democrático no Rio
Não podemos imaginar que
a eleição de Sérgio Cabral em 2010 em primeiro turno e a acachapante vitória de
Paes nestas eleições, com quase 65% dos votos válidos, seja fruto apenas do
marketing e da amplíssima coligação montada pelo PMDB. A legitimidade alcançada
nas urnas, principalmente no caso do prefeito Eduardo Paes, reflete também o
reconhecimento da população em relação à melhora dos serviços públicos na
cidade e no estado. Evidentemente, estamos falando de um patamar muito rebaixado
de políticas públicas realizadas pelos governos anteriores do casal Garotinho
no estado e de Cesar Maia na capital.
Reconhecer todos os
elementos que sustentam a hegemonia do PMDB no Rio é fundamental para não se
fazer uma análise superficial deste processo. Para exemplificar esta situação
podemos citar o Programa de Saúde da Família (PSF). Este programa foi
implementado em todo Brasil desde os anos 90 e tem, em graus diferentes,
alcançado bons resultados na atenção à saúde da população. No Rio, antes do governo
Paes, esse programa cobria menos de 10% da população carioca e hoje cobre cerca
de 40%. Certamente, faz muita diferença para a população ter um agente
comunitário em sua porta oferecendo serviço público de saúde – mesmo que aquém
do que defendemos e implementado a partir de uma lógica estranha ao modelo construído
pela esquerda. Estamos falando de um serviço fundamental que era praticamente
inexistente e agora, mesmo com problemas, é reconhecido pelos usuários.
A aliança com o governo
federal também é um elemento fundamental de legitimidade dos governos do PMDB
no estado, aumentando consideravelmente o volume de investimentos e programas
federais, retirando o Rio de Janeiro do isolamento político e garantindo também
o aumento do nível de emprego e da renda da população.
No entanto, torna-se
essencial discutir os limites do projeto de sociedade dos governos do PMDB, com
objetivo de apontar perspectivas para construção de um programa democrático no
estado. Na cidade do Rio a ordenação e o crescimento econômico da cidade e as
políticas públicas estão sendo pautadas pela lógica do mercado. Essa lógica tem
se expressado na privatização dos espaços públicos e, consequentemente, na
despolitização da discussão sobre os rumos da cidade.
As políticas públicas
do município e do governo estadual são centralmente orientadas por um processo
de mercantilização. A especulação imobiliária, a indústria da saúde e as OSs
que dominam diversos segmentos dos serviços públicos têm moldado o crescimento
da cidade e a oferta de políticas públicas de acordo com seus interesses. As
desocupações, a construção de aparelhos culturais e esportivos e a política de
transportes têm seguido a lógica de criar regiões muito valorizadas da cidade
em detrimento de regiões muito pobres. Nas áreas mais valorizadas a prefeitura
e o governo estadual atuam para criar o ambiente mais favorável para a expansão
do mercado imobiliário, cultural e de produtos de luxo, enquanto nas regiões
mais pobres o Estado atua ofertando serviços baratos para as classes trabalhadoras.
Nestas regiões, o setor privado também atua vendendo serviços de baixa
qualidade, onde não existem serviços públicos, como serviços hospitalares, para
os setores que saíram recentemente da pobreza.
A gestão municipal tem
atuado de formas distintas na organização da cidade. Para a população acessar
serviços públicos e organizar suas formas de subsistência enfrenta um conjunto
de regras burocráticas, expressas, por exemplo, de forma contundente no Choque
de Ordem, que dificultam suas atividades. Por outro lado, o setor privado
encontra todas as facilidades e agilidade legais para expandir seus negócios.
As necessidades do mercado têm moldado o espaço da cidadania e dos direitos. Portanto,
os interesses privados têm prevalecido em detrimento dos interesses públicos
nas políticas públicas no Rio de Janeiro.
A falta de um projeto
hegemônico de sociedade e a fragmentação das políticas públicas é suprida pela
construção de um Estado extremamente autoritário no Rio de Janeiro. Esse autoritarismo
se expressa, por um lado, na medicalização social da vida, orientando as formas
saudáveis de viver a cidade através da normatização estatal. Esse processo
limita as manifestações populares da cidade e captura as subjetividades para a
lógica de construção de uma cidade-mercadoria.
Além disso, os espaços
públicos foram esvaziados de qualquer mecanismo de participação popular e de
construção da autonomia dos cidadãos. Não existe nenhum tipo de política no
qual a sociedade possa discutir a execução do orçamento, participar ativamente
na elaboração dos projetos de organização da cidade e nem mesmo interferir nas
obras e nos tipos de serviços públicos que afetam suas comunidades. As
políticas da prefeitura do Rio e do governo do estado não estão a serviço de um
novo tipo de relação entre sociedade e Estado. A demanda social é organizada
prioritariamente de acordo com os interesses dos mercados privados, impedindo a
afirmação da autonomia das comunidades em refletirem sobre seus problemas e se
auto-organizarem para lutarem por eles. Nesse caso, o autoritarismo se expressa
na não delimitação das atividades do Estado, do mercado e da sociedade civil.
Outro viés autoritário
do projeto do PMDB no Rio de janeiro se expressa na relação dos governos com os
servidores públicos. Os programas destinados a organizar os serviços públicos
são feitos através do estabelecimento de normas e regras burocráticas sem
pactuação com os trabalhadores que estão no cotidiano destes serviços. Essa
política limita a autonomia dos profissionais em relação ao seu trabalho,
impedindo a emergência de processos criativos que tem por objetivo engendrar
transformações com perspectiva de fortalecimento do espaço público.
Os limites inerentes ao
projeto do PMDB no estado do Rio impedem a disputa da orientação geral desses
governos. Torna-se fundamental a formulação de um programa alternativo de
sociedade que afirme o espaço público como local de efetivação dos direitos de
cidadania. A possibilidade de consolidação dessa estratégia deve orientar o
debate interno do PT no próximo período, assim como a sua tática eleitoral em
2014.
A
construção de um Projeto Petista no Rio de Janeiro
A partir de 2006 o PT
desenvolve uma relação de proximidade com o PMDB no estado do Rio de Janeiro.
Essa relação se refletiu no apoio às reeleições de Cabral e Paes, respectivamente
governador em 2010 e prefeito em 2012, e na participação destes governos desde
2007. Este acordo se justificava pelo apoio do PMDB ao governo federal, tendo
sua importância intensificada pela necessidade de atrair o PMDB para a
composição da chapa presidencial em 2010.
A estratégia do PT do
Rio se baseava na possibilidade de desenvolver políticas, concatenadas com as
executadas pelo governo petista no âmbito nacional, que disputassem o caráter
desses governos e na afirmação do seu programa em todos os espaços que
participasse. Essa atuação garantiria a identidade partidária e fortaleceria
sua legitimidade diante da sociedade. Assim, o PT acumularia forças e
construiria as condições necessárias para um projeto mais vigoroso no futuro.
No entanto, as eleições
de 2012 mostraram que as previsões não se concretizaram. O PT foi mal nas eleições
no estado, tornando-se coadjuvante na disputa das principais cidades fluminenses.
Nos 20 maiores municípios do Rio de Janeiro, o PT apresentou candidatura em
apenas 7, sendo vitorioso apenas em Angra dos Reis. Nas 5 maiores cidades,
apenas uma candidatura, em Niterói, que aparece como favorita na disputa do
segundo turno. Prevaleceu a lógica de pequenos acordos para ocupar espaços em
governos muitas vezes medíocres, sob o manto do diálogo privilegiado com os
partidos da “base aliada”, organizando maiorias municipais a partir de relações
despolitizadas e, por vezes, fisiológicas.
Ao mesmo tempo, ficou explícita
a movimentação mais agressiva do PMDB de disputa dos rumos do PT. O que,
inicialmente, era um movimento externo, de pressão a partir da composição dos
governos, transformou-se, desde o ano passado, em um processo combinado de
filiação ao PT de políticos de relação privilegiada com o núcleo dirigente do
PMDB, de maneira a interferir “por dentro” nos rumos do PT, elegendo
parlamentares e organizando novos agrupamentos internos para a disputa das
direções no próximo PED.
O caso da capital merece uma análise em
separado. O vice petista da chapa majoritária praticamente não apareceu no
programa de TV da campanha Paes. A votação na legenda do PT foi pífia,
praticamente um terço do total obtido no pleito de 2008. Além disso, o PT elegeu
3 vereadores, dos 4 eleitos, que nada tem de compromisso com o seu programa.
Esse resultado mostrou que a tática adotada no Rio de Janeiro diluiu sua
identidade partidária. Não foram raras as manifestações de setores
historicamente identificados com o petismo de adesão à candidatura Freixo,
inclusive votando nos candidatos proporcionais do PSOL, que acabou elegendo uma
bancada do mesmo tamanho da petista.
A participação nos
governos do PMDB enfraqueceu o projeto petista no Rio de Janeiro. As políticas
desenvolvidas pelo PT, quando não eram capturadas pela lógica geral desses
governos, não eram publicizadas pelo partido. O PT não se apropriou das
experiências que seus quadros produziram no governo, assim como essas
experiências não alimentaram o debate interno. Por outro lado, parece que a
participação nestes governos deixou o PT apático no que se refere à formulação
político-programática, deixando o partido sem discurso nas eleições de 2012.
A falta de nitidez nas
posições políticas do PT sobre os temas mais relevantes no Rio de Janeiro fez
com que o partido deixasse de dialogar com amplos setores da sociedade. Alguns
destes setores mais críticos se posicionaram majoritariamente com a candidatura
do PSOL. Não queremos com isso defender que o PT adote o discurso do PSOL com
objetivo de disputar o seu eleitorado. Grande parte desse eleitorado, que em
2012 votou no Freixo e já tinha votado em 2008 e 2010 no Gabeira e em 2010 na
Marina Silva, pauta-se em um discurso moralista conservador e repudia o projeto
petista no âmbito nacional. Ao contrário, é necessária a formulação de um
programa de esquerda capaz de deslocar setores que estiveram com o PSOL, mas,
principalmente, de dialogar com segmentos, beneficiados ou não por políticas
públicas, críticos aos governos do PMDB que não encontraram uma alternativa
viável nas últimas eleições.
Para consolidar essa
tática de constituição de um novo campo político, é fundamental que o PT se
concentre em 3 tarefas no próximo período. A primeira delas é a de construção
de um programa político do PT para o Rio de Janeiro. Esse programa deve ter
como finalidade apresentar uma opinião pública do partido sobre o processo
político no estado e não, simplesmente, levantar questões sobre todas as áreas
de atuação governamental. A segunda delas deve ser a adoção de uma postura mais
pública de nossas ações no parlamento e nos governos. As políticas que
formulamos, seja nos governos do PMDB ou em nossas prefeituras, devem ganhar
visibilidade e se tornarem elemento de propaganda sobre nossa concepção de
Estado. Por último, devemos construir uma candidatura própria em 2014 para
disputar o governo do estado do Rio de Janeiro.
Essa candidatura deve
ser a expressão desse campo político impulsionado pelo PT, agregando outros
setores sociais e demais partidos políticos. O esforço feito pela maioria da
direção estadual do PT para construir de um arco de alianças mais identificado
com o campo popular, ainda que tardio e insuficiente, conseguiu minimizar os impactos
regressivos da lógica do último período, alterando a rota em importantes
municípios do interior e reconstruindo canais de diálogo com o PDT e o PSB. Essa orientação geral deve ser intensificada e combinada com a adoção de um
discurso de reconhecimento dos avanços na melhora das condições de vida da
população, mas afirmando o nosso projeto como o único capaz de superar os
obstáculos que impedem a construção de um processo de democratização do estado,
com ampliação radical da agenda de direitos e participação popular. E o melhor
nome para representar este campo político é o do senador Lindbergh Farias.
Em suma, cabe ao PT
recuperar a centralidade da esfera pública e da democracia, incidindo à
esquerda no debate político, resgatando a dimensão estratégica da cidadania
ativa e animando a participação da militância, recuperando com ela a nitidez
programática e organizando politicamente o novo patamar de demanda social da
população do Rio de Janeiro. A insistência em um comportamento politicamente
ínsipido e visceralmente atrelado ao PMDB poderá romper de vez os laços já
fragilizados entre o PT-RJ e as expectativas dos movimentos sociais e da
militância partidária, resultando em uma nova derrota eleitoral combinada com
uma perda muito mais grave: a da credibilidade e identidade socialista e
democrática.
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