O Racismo no Brasil
Para compreendermos o processo de formação da sociedade brasileira, é
preciso entender que o racismo foi ideologia fundamental para a
manutenção do Estado que se pretendia formar, isto é, não ocorre
processo colonialista sem racismo.
O racismo sempre foi
instrumento para manter a dominação, subjugando a todos que estão sob
esse véu. O racismo é resultado da epistemologia européia a serviço da
dominação sobre os outros povos. O racismo como o vivenciamos dia-a-dia é
um conjunto de ações e intenções que marcam as relações sociais entre
os indivíduos, e tem em sua fundamentação a superioridade de uma raça
(branca) em detrimento de outra (negra e/ou indígena, etc).
É
importante destacar que o contexto raça usado para fundamentar a nossa
discussão é apresentado na perspectiva sociológica, ou seja, que raça
existe em nossa contemporaneidade e é fruto de um conjunto complexo de
fatores culturais e históricos, que, sim, foi balizador e critério para
configurar a divisão social do trabalho no período colonial e nas
ocupações dos diversos espaços de direção e poder de nossa sociedade.
As desigualdades raciais existentes em nosso país têm em suas bases uma
estreita relação com a estruturação em classes de nossa sociedade. Em
uma sociedade regida por uma democracia liberal, amparada em preceitos
burgueses, o preconceito racial cumpre novas funções e ganha novas
formas de aplicação, ainda mais eficientes no intuito de manter negras e
negros fora dos espaços de formação e conhecimento que possam garantir
algum tipo de ascensão social.
O negro e a negra na universidade brasileira
Atualmente, o acesso à universidade pública se dá por meio de um
processo de seleção no qual a maior parte dos aprovados são estudantes
egressos de escolas privadas ou que possuem recursos necessários para o
custeio de cursos preparatórios ao exame de admissão.
Como
sabemos, a população negra é maioria da população pobre e/ou miserável
de nosso país, o que cria uma dinâmica de inversão proporcional no
processo de inclusão no ensino superior público no Brasil. Defender a
presença cada vez maior e efetiva de negros e negras na universidade
pública brasileira, para nós, é positiva, imprescindível e estratégica
para combater o racismo e fortalecer o processo democrático.
O
sistema educacional, políticas curriculares e bases teóricas que
fundamentam a produção cientifica no Brasil são construídas a partir de
bases e referencias eurocentradas, não respeitando a diversidade étnica
que compõe a realidade da população brasileira.
Políticas de cotas de raciais
Nos últimos anos, é intensa a discussão acerca da emergência da
aplicação de políticas de ações afirmativas na educação superior
brasileira. Tais discussões visam a reparar aspectos discriminatórios
que impedem o acesso de pessoas a uma maior “sorte” de oportunidades
Para nós, do movimento negro, a importância dada às ações afirmativas,
em especial, a política de cotas raciais nas universidades públicas, é
instrumento estratégico para alterarmos o estado das coisas, na
sociedade racista em que vivemos. Pressionar o poder público a fim de
aprovar essa política como parte integrante do texto constitucional vem
sendo tarefa de todos nós, negras e negros consequentes.
Não
somos alheios ao fato de que a igualdade formal, tão cara à concepção de
Estado moderno, que visa a consagrar a igualdade de todos e todas
perante a lei, não é aplicada em sua acepção prática, não correspondendo
com o real sentido de sua existência.
Apresentar perspectivas
que apontem para as políticas de cotas raciais, teor de
inconstitucionalidade, reforça cada vez mais as críticas e
questionamentos que nós dirigimos ao conceito de igualdade apresentada e
defendida pela democracia liberal.
Quando observamos a
constituição federal em seu artigo terceiro, em que se elencam os
objetivos da República, tais como a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária; a garantia do desenvolvimento, a erradicação da
pobreza e a promoção do bem para todos e todas sem preconceito de
origem, raça, sexo, cor, idade e quailquer outra forma de discriminação;
podemos ver o quanto as políticas de cotas raciais para ingresso nas
universidades públicas, possui forte conteúdo democrático e amplo apelo
constitucional.
É preciso enegrecer a universidade
É
papel da universidade fomentar a importante e indissociável articulação
entre o ensino, a pesquisa e a extensão, exigência intrínseca para a
constituição de um centro de ensino que, de fato, exerça a sua função de
produzir conhecimento e tecnologia de fato úteis para a sociedade
brasileira.
Uma universidade que, aliando a prática pedagógica e
a produção do conhecimento científico, não se ativer ao novo momento
histórico que vivemos, diferente e desafiador, e que cada vez mais
reclama para si a busca pelo fortalecimento da democracia, não terá
êxito na sua missão de transformação e contribuição para a instauração
de uma nova consciência e fortalecimento da cidadania.
Assim
como é importante a inclusão dos negros e negras nos bancos escolares do
ensino superior, também se faz necessário e imprescindível para a
universidade a presença e permanência destes.
A efetiva e
militante presença dos negros e negras na universidade pública garantirá
um redirecionamento no processo de produção cientifica, na elaboração
de matrizes curriculares democráticas e em um processo extensionista
cada vez mais comprometido com a classe trabalhadora.
Uma revolução nada silenciosa
Em um momento futuro, a ocupação quantitativa que queremos promover ao
defender a políticas de cotas raciais nas universidades públicas se
reverberará em uma maior participação dos negros e negras nos espaços de
tomada de decisão e, consequentemente, na definição de rumos
verdadeiramente democráticos e republicanos para a sociedade brasileira.
Tal engajamento nos instrumentaliza para a verdadeira disputa que
enfrentamos cotidianamente desde o dia em que nascemos, na qual o
combate sistêmico ao racismo é central na estratégia por uma sociedade
solidaria, justa e democrática. O processo de resistência a cada dia
torna a luta dos negros e das negras mais forte e mobilizada.
Defender em alto e bom som a política de cotas raciais nas universidades
públicas é trazer à tona, em todo o Brasil, que ele é um país racista. A
defesa das cotas é carregada de forte simbolismo, visando a quebrar com
uma dinâmica de manutenção do poder sustentada pelo mito da democracia
racial.
Para que, de fato, possamos superar as distorções
sociais gestadas pelos ideais racistas, é necessário compreendê-lo para
que a sua superação seja definitiva. Esse processo de compreensão nos
traz a relação dialética entre as lutas raciais e a luta de classes.
* Clédisson Júnior é ex-diretor de Combate ao Racismo da UNE (2009 a 2011)e membro do Coletivo Nacional Enegrecer.
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