Levantamento mostra que subiu de 25 para 43, na atual legislatura, o número de deputados que se autodeclaram afrodescendentes. Para lideranças do movimento negro, dados mostram sub-representação e exclusão racial
Embora representem 51% da população, afrodescendentes ocupam apenas 8,5% das cadeiras na Câmara. No Senado, Paim é um dos dois únicos senadores negros
Fábio Góis
A representação negra cresceu no novo Congresso. O número de deputados que se autodeclaram negros saltou de 25 (5%), no começo de 2007, para 43 (8,5%) na atual legislatura. De maneira mais tímida, também aumentou a relação de deputados estaduais e distritais que se apresentam como afrodescendentes: passou de 30 para 39. No Senado, a bancada continua reduzida a apenas dois senadores: Paulo Paim (PT-RS) e Magno Malta (PR-ES).
Os dados fazem parte de levantamento feito pela União de Negros pela Igualdade (Unegro) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O estudo se baseia em informações oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e nas declarações dos próprios parlamentares para traçar um mapa da participação negra na política brasileira.
Os parlamentares que se autodeclaram afrodescendentes
Apesar do crescimento, a presença dos negros no Legislativo ainda reflete um país marcado pela exclusão racial. Essa é a avaliação de lideranças do movimento negro sobre os resultados da pesquisa. “Esse fato revela o grande escândalo nacional da exclusão racial. Não consigo compreender como uma população com mais da metade de negros é tão mal representada no Congresso. Ora, para a nação ser justa, deveríamos ter também 51% de afrobrasileiros no Parlamento”, afirma o diretor nacional da organização não-governamental Educafro, Frei David.
O coordenador de comunicação da Unegro, Alexandre Braga, diz que a pesquisa mostra como os negros ainda estão fora do processo decisório da política brasileiro. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 51,1% dos brasileiros se declaram pretos ou pardos.
“É uma grande discrepância. Em termos de representação parlamentar, há uma disparidade muito grande. Em outros setores – como educação, saúde e violência – você constata que a população negra sempre está na escala mais baixa. A pesquisa mostra que estamos sub-representados também no poder político”, avalia Alexandre, que coordenou o estudo, batizado de “Balanço eleitoral do voto étnico negro e presença dos negros no parlamento”. Confira a pesquisa.
Sub-representação em números
Mais da metade dos 43 deputados que se autodeclaram negros está concentrada em apenas três partidos: 14 no PT, seis no PMDB e outros seis no PRB. Os demais estão distribuídos por nove legendas: PCdoB (4), DEM (3), PDT (3), Psol (2), PR (1), PSC (1), PSB (1), PTB (1) e PSDB (1).
Menos da metade das 27 unidades federativas tem representantes negros na Câmara. Estado com a maior população negra, a Bahia aparece ao lado do Maranhão e do Rio de Janeiro como a bancada com maior número de integrantes afrodescendentes. Cada um desses estados elegeu sete representantes negros. Minas Gerais vem em seguida com cinco nomes. Ceará e São Paulo, com três, Amapá, Acre, Roraima e Pará, com dois, e Espírito Santo, Tocantins e Pernambuco, com um cada, completam a relação.
Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais são também os estados brasileiros que mais elegeram deputados estaduais negros, segundo o estudo da Unegro. A pesquisa mostra que em sete assembléias legislativas (Amazonas, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) não há nenhum parlamentar que se autodeclara negro. O estudo também mostra que há apenas 52 vereadores que consideram afrodescendentes nas capitais brasileiras. A Câmara Municipal de Salvador, com 16 negros, é a que tem mais parlamentares de origem negra.
Peso da bancada
O balanço eleitoral revela um “voto étnico negro” ainda tímido, mas com potencial de crescimento no âmbito parlamentar. “Esse trabalho não teve o objetivo de identificar se o parlamentar era branco ou negro. Mas queria identificar o peso da bancada negra no Parlamento”, diz Alexandre Braga, da Unegro.
O “peso da bancada negra” ao qual Alexandre se refere pode ser entendido como o potencial da causa da igualdade racial em arregimentar congressistas em sua defesa, o que pode ser medido pelo tamanho da Frente Parlamentar Negra no Congresso Nacional, que reunia até o início deste ano 220 deputados e quatro senadores. Em outras palavras, quanto mais congressistas identificados com a bandeira do colegiado e incluídos na frente parlamentar, mais poder de fogo a causa racial teria no Parlamento.
Criada em maio de 2007, a frente é composta por parlamentares de diversas origens étnicas, que reforçam o time dos 43 deputados e dois senadores na luta contra a desigualdade racial. Na avaliação de Alexandre Braga, o fato de haver muitos mestiços no Congresso acaba favorecendo a atuação da frente parlamentar.
“De certa forma, a bancada não tem o objetivo de demarcação entre mestiços e não mestiços. Na verdade, o nome correto da Frente é Frente Parlamentar Mista de Igualdade Racial. Obviamente, entra todo mundo – negro, indígena, mestiço, branco. Quanto mais adesão, melhor. Queremos ser tão respeitados como a bancada ruralista, a da criança e do adolescente, a da mulher”, afirma.
Hora da virada
Fundador da Educafro, Frei David também acredita que o leque de composição da Frente Parlamentar da Igualdade Racial transpõe restrições genéticas. “Na verdade, a frente tem uma lógica diferente. Pode entrar qualquer deputado ou senador que acredita e sempre lutará em prol da causa”, completa Frei David, citando o ex-senador Marco Maciel (DEM-PE) e o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), como exemplos de parlamentares que se comprometeram com a bandeira da igualdade racial.
“O fato de estar na frente não significa que o parlamentar tem um pé na África”, resume Frei David, elogiando a Unegro ao se dizer “feliz em saber que as entidades vêm trabalhando com técnica e estratégica para a vitória do povo negro acontecer”. Vitória que, para ele, depende da consciência e do engajamento da própria população negra. “O problema está em todos os setores da sociedade, mas principalmente na própria falta de consciência de parte da comunidade negra. A virada se dará somente quando o negro gostar de ser negro e se assumir como tal. Vou confessar que só aos 23 anos me assumi como negro”, admite Frei David.
Autodeclaração
Para que um parlamentar fosse considerado negro e incluído nas estatísticas do levantamento, foi utilizado o critério da autodeclaração, quando o próprio congressista se afirma como tal junto às assessorias das respectivas instituições públicas. Caso do deputado Irajá Abreu (DEM-TO), que, com características de uma pessoa morena, diz se considerar negro. Ele é filho da senadora Kátia Abreu (DEM-TO).
“Seguimos o critério do IBGE para qualquer tipo de pesquisa, levantamento ou análise, que é o da autodeclaração”, explica o coordenador de comunicação da Unegro, Alexandre Braga. “Depois, entramos em contato com todas as assessorias das assembleias para confirmar se o deputado realmente se afirmava como negro”, acrescenta.
De acordo com o coordenador, o estudo pode ser aperfeiçoado com a ajuda dos próprios parlamentares. “Aquele parlamentar que tomou conhecimento do estudo e não viu seu nome incluído na lista pode acabar procurando a Unegro e se dizer negro.”
O primeiro parlamentar federal negro eleito foi Eduardo Gonçalves Ribeiro, que exerceu mandato de 1897 até sua morte, em 1900. Filho de escrava, ele havia sido o primeiro afrodescendente a assumir um governo de província, a do Amazonas, entre 1892 e 1896.
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