Estevão Cruz*
Uma questão decisiva para o movimento estudantil brasileiro em toda sua história foi a sua capacidade de estabelecer um diálogo entre os anseios libertários da juventude e a construção de uma educação emancipadora. No dia 05 de abril, parte desta história foi relatada – diga-se de passagem, de maneira corajosa e progressista, apesar das limitações técnicas – na estréia da telenovela Amor & Revolução.
Na telenovela algumas cenas evidenciaram o protagonismo da UNE em defesa das lutas democráticas e o ataque imediato (incêndio do prédio) da repressão como uma das primeiras iniciativas do Golpe Militar. Mas o sentido deste texto não é recuperar as cenas da trama que se iniciou ontem.
Apesar do enorme protagonismo da UNE não ser uma novidade, a realidade indiscutível do movimento estudantil contemporâneo é de maior mobilização. Alguns setores do ME podem não gostar ou concordar, mas isso não muda essa realidade. E a explicação é óbvia: a quantidade de estudantes de ensino superior – a base social da UNE – é muito maior. Outro fato concretíssimo é que a característica da mobilização é bastante diferente. Mas os tempos, as lutas e a própria juventude também são muito diferentes.
A falta de compreensão dessas questões tão evidentes, mas fundamentais, é que tem levado muitos setores do ME a adotar posições e construir caminhos equivocados. A incapacidade de reconhecer os verdadeiros desafios para a democratização da UNE, quase sempre os levam a apontar respostas descoladas da realidade e da luta política real. Assim são os argumentos de fundo esquerdista que relacionam os limites e contradições da luta política real à desvios moralistas das direções, quando estas capitulariam ou seriam cooptadas pelo status quo no momento – e ele estaria sempre presente – da revolução(!).
Na nossa opinião, no entanto, discutir a verdadeira democratização da UNE significa socializar os momentos de decisão política garantindo maior participação e mais autonomia das entidades estudantis de base e, principalmente, reconhecendo as novas formas de organização dos e das estudantes. Mas isso tudo só pode se dar com a compreensão adequada do nosso tempo e da nossa juventude.
A UNE, como todo o campo da esquerda, foi duramente golpeada pela Ditadura Militar e pelo neoliberalismo. A Ditadura tentou destruir a sua organização, eliminou e desapareceu militantes, ao mesmo tempo em que estruturou o poderio financeiro, midiático e coercitivo da burguesia brasileira. O neoliberalismo completou a dispersão social e hegemonizou uma cultura política individualista, pouco simpática à organização política, aos sonhos e às utopias.
Por outro lado – naturalmente, já que a luta política não é linear – a resistência da UNE, o surgimento de novas agendas emancipatórias e o aparecimento de novos/as atores sociais diversificaram e ampliaram as lutas da juventude. A conquista de mais vagas nas universidades e o início de um processo de democratização do ensino superior estão aumentando o poder de fogo da UNE.
A legitimidade histórica da entidade como protagonista das lutas juvenis tem tudo para ser reforçada e essa conjuntura coloca desafios de atualizar a sua plataforma política e organizativa. Nesse sentido, levantamos cinco agendas prioritárias para aprofundarmos a socialização da UNE:
1. Reforçar a pluralidade da sua direção. Esse desafio já começou a ser encarado mais firmemente pela entidade. A aprovação dos Conselhos Fiscais e Editoriais, ainda em implementação, foi um passo importante. Defendemos também que a entidade assuma imediatamente uma política de cotas que garanta a participação paritária de mulheres e homens na sua direção (pleno e executiva).
2. Reconhecer novas pautas e atores sociais. Os Encontros de Mulheres Estudantes (EMEs) e dos Encontros de Negros, Negras e Cotistas da UNE (ENUNE) têm sido fundamental nesse sentido. Esses espaços devem ser fortalecidos e aprimorados como fórum próprio de debates, formação e auto-organização dos e das estudantes. A UNE também deve incentivar o surgimento de organização em outros temas, como do combate à homofobia, do meio ambiente. A organização destes espaços dão sentido prático para a construção de uma hegemonia anticapitalista na sociedade brasileira. Nos ajudam a acumular força para uma mudança mais profunda das estruturas econômicas e sociais e a construir uma cultura política que supere o machismo, o racismo, a homofobia e que estabeleça uma nova relação com a natureza.
3. Democratizar os fóruns de base. Os CONEB`s são fundamentais para a ampliação da legitimidade da UNE, na medida em que articulam as pautas gerais apresentadas pela entidade estejam vinculadas com as demandas cotidianas e concretas dos e das estudantes. Além disso, têm sido o espaço prioritário para a elaboração recente da UNE no campo das políticas educacionais, como no caso do Projeto de Reforma Universitária e na recente discussão sobre o Plano Nacional de Educação. A dinâmica dos fóruns da UNE, porém, têm demonstrado limitações por não conseguirem envolver e proporcionar a participação plena dos e das estudantes. Com isso, a formulação e construção dos espaços têm ficado excessivamente por conta das forças políticas. Para um processo de socialização é necessário um novo formato para os fóruns da UNE, menos burocratizados, mais dinâmicos e participativos. A apresentação de textos-bases pela direção da UNE, orientando o debate preparatório para os encontros, como já acontece em diversos congressos e conferências de outras entidades e organizações, e o funcionamento efetivo dos Grupos de Discussão pode ser uma das soluções para essa renovação dos encontros e congressos da UNE.
4. Construir uma UNE militante e de massas. O papel das campanhas e jornadas de luta, como a que acabamos de fazer é fundamental. É através destes momentos que a entidade consegue expressar nas ruas as bandeiras construídas coletiva e democraticamente em seus fóruns. É também quando os e as estudantes têm a possibilidade de construir a história com as próprias mãos. As campanhas devem envolver questões cotidianas, das mudanças nas universidades. Nesse sentido, a construção das campanhas e jornadas de luta não se resumem a produção e distribuição de materiais e atos construídos apenas pelas direções da UNE e das UEE`s. Para dar mais capilaridade às campanhas e jornadas da UNE, a sua direção deve ser articulada através das entidades gerais, de base e comitês formados para acompanhar, coletivizar e realizar as atividades em cada universidade.
5. Retomar o simbolismo e o sentimento de pertencimento. Parece muito importante, na nossa opinião, reforçar os elementos subjetivos, simbólicos, de vinculação do conjunto dos estudantes com as entidades estudantis. Uma nova consciência de que as diferentes entidades que compõe a rede do ME são momentos de uma mesma construção somada aos exemplos práticos elencados acima são a síntese que forma a UNE. A UNE não é o seu corpo dirigente, mas é cada um de nós, nossa força e nossa voz.
*Estevão Cruz é estudante de Ciências Sociais da UFMG, militante da Kizomba e diretor de Assistência Estudantil da UEE-MG.
Uma questão decisiva para o movimento estudantil brasileiro em toda sua história foi a sua capacidade de estabelecer um diálogo entre os anseios libertários da juventude e a construção de uma educação emancipadora. No dia 05 de abril, parte desta história foi relatada – diga-se de passagem, de maneira corajosa e progressista, apesar das limitações técnicas – na estréia da telenovela Amor & Revolução.
Na telenovela algumas cenas evidenciaram o protagonismo da UNE em defesa das lutas democráticas e o ataque imediato (incêndio do prédio) da repressão como uma das primeiras iniciativas do Golpe Militar. Mas o sentido deste texto não é recuperar as cenas da trama que se iniciou ontem.
Apesar do enorme protagonismo da UNE não ser uma novidade, a realidade indiscutível do movimento estudantil contemporâneo é de maior mobilização. Alguns setores do ME podem não gostar ou concordar, mas isso não muda essa realidade. E a explicação é óbvia: a quantidade de estudantes de ensino superior – a base social da UNE – é muito maior. Outro fato concretíssimo é que a característica da mobilização é bastante diferente. Mas os tempos, as lutas e a própria juventude também são muito diferentes.
A falta de compreensão dessas questões tão evidentes, mas fundamentais, é que tem levado muitos setores do ME a adotar posições e construir caminhos equivocados. A incapacidade de reconhecer os verdadeiros desafios para a democratização da UNE, quase sempre os levam a apontar respostas descoladas da realidade e da luta política real. Assim são os argumentos de fundo esquerdista que relacionam os limites e contradições da luta política real à desvios moralistas das direções, quando estas capitulariam ou seriam cooptadas pelo status quo no momento – e ele estaria sempre presente – da revolução(!).
Na nossa opinião, no entanto, discutir a verdadeira democratização da UNE significa socializar os momentos de decisão política garantindo maior participação e mais autonomia das entidades estudantis de base e, principalmente, reconhecendo as novas formas de organização dos e das estudantes. Mas isso tudo só pode se dar com a compreensão adequada do nosso tempo e da nossa juventude.
A UNE, como todo o campo da esquerda, foi duramente golpeada pela Ditadura Militar e pelo neoliberalismo. A Ditadura tentou destruir a sua organização, eliminou e desapareceu militantes, ao mesmo tempo em que estruturou o poderio financeiro, midiático e coercitivo da burguesia brasileira. O neoliberalismo completou a dispersão social e hegemonizou uma cultura política individualista, pouco simpática à organização política, aos sonhos e às utopias.
Por outro lado – naturalmente, já que a luta política não é linear – a resistência da UNE, o surgimento de novas agendas emancipatórias e o aparecimento de novos/as atores sociais diversificaram e ampliaram as lutas da juventude. A conquista de mais vagas nas universidades e o início de um processo de democratização do ensino superior estão aumentando o poder de fogo da UNE.
A legitimidade histórica da entidade como protagonista das lutas juvenis tem tudo para ser reforçada e essa conjuntura coloca desafios de atualizar a sua plataforma política e organizativa. Nesse sentido, levantamos cinco agendas prioritárias para aprofundarmos a socialização da UNE:
1. Reforçar a pluralidade da sua direção. Esse desafio já começou a ser encarado mais firmemente pela entidade. A aprovação dos Conselhos Fiscais e Editoriais, ainda em implementação, foi um passo importante. Defendemos também que a entidade assuma imediatamente uma política de cotas que garanta a participação paritária de mulheres e homens na sua direção (pleno e executiva).
2. Reconhecer novas pautas e atores sociais. Os Encontros de Mulheres Estudantes (EMEs) e dos Encontros de Negros, Negras e Cotistas da UNE (ENUNE) têm sido fundamental nesse sentido. Esses espaços devem ser fortalecidos e aprimorados como fórum próprio de debates, formação e auto-organização dos e das estudantes. A UNE também deve incentivar o surgimento de organização em outros temas, como do combate à homofobia, do meio ambiente. A organização destes espaços dão sentido prático para a construção de uma hegemonia anticapitalista na sociedade brasileira. Nos ajudam a acumular força para uma mudança mais profunda das estruturas econômicas e sociais e a construir uma cultura política que supere o machismo, o racismo, a homofobia e que estabeleça uma nova relação com a natureza.
3. Democratizar os fóruns de base. Os CONEB`s são fundamentais para a ampliação da legitimidade da UNE, na medida em que articulam as pautas gerais apresentadas pela entidade estejam vinculadas com as demandas cotidianas e concretas dos e das estudantes. Além disso, têm sido o espaço prioritário para a elaboração recente da UNE no campo das políticas educacionais, como no caso do Projeto de Reforma Universitária e na recente discussão sobre o Plano Nacional de Educação. A dinâmica dos fóruns da UNE, porém, têm demonstrado limitações por não conseguirem envolver e proporcionar a participação plena dos e das estudantes. Com isso, a formulação e construção dos espaços têm ficado excessivamente por conta das forças políticas. Para um processo de socialização é necessário um novo formato para os fóruns da UNE, menos burocratizados, mais dinâmicos e participativos. A apresentação de textos-bases pela direção da UNE, orientando o debate preparatório para os encontros, como já acontece em diversos congressos e conferências de outras entidades e organizações, e o funcionamento efetivo dos Grupos de Discussão pode ser uma das soluções para essa renovação dos encontros e congressos da UNE.
4. Construir uma UNE militante e de massas. O papel das campanhas e jornadas de luta, como a que acabamos de fazer é fundamental. É através destes momentos que a entidade consegue expressar nas ruas as bandeiras construídas coletiva e democraticamente em seus fóruns. É também quando os e as estudantes têm a possibilidade de construir a história com as próprias mãos. As campanhas devem envolver questões cotidianas, das mudanças nas universidades. Nesse sentido, a construção das campanhas e jornadas de luta não se resumem a produção e distribuição de materiais e atos construídos apenas pelas direções da UNE e das UEE`s. Para dar mais capilaridade às campanhas e jornadas da UNE, a sua direção deve ser articulada através das entidades gerais, de base e comitês formados para acompanhar, coletivizar e realizar as atividades em cada universidade.
5. Retomar o simbolismo e o sentimento de pertencimento. Parece muito importante, na nossa opinião, reforçar os elementos subjetivos, simbólicos, de vinculação do conjunto dos estudantes com as entidades estudantis. Uma nova consciência de que as diferentes entidades que compõe a rede do ME são momentos de uma mesma construção somada aos exemplos práticos elencados acima são a síntese que forma a UNE. A UNE não é o seu corpo dirigente, mas é cada um de nós, nossa força e nossa voz.
*Estevão Cruz é estudante de Ciências Sociais da UFMG, militante da Kizomba e diretor de Assistência Estudantil da UEE-MG.
Nenhum comentário:
Postar um comentário