O dia 17 de maio é, amplamente reconhecido como, o dia internacional
de combate à homofobia. É sobre a vida, a solidão, a liberdade e a
justiça que me debruço.
Não há fuga ao regime do medo para os fora da norma heterossexista.
Em um tempo em que as narrativas sobre hegemonia ou binarismos de poder
foram desafiadas por seu caráter totalizante, vivemos sob uma ditadura
binária em matéria sexual: a norma heteressexual oprime todos que não a
reconhecem como legítima. A homofobia é um dos dispositivos de
garantia da ordem heteronormativa.
Por homofobia, entendo toda expressão do ódio, da repulsa, da
injúria, da agressividade e da violência contra os fora da norma
heterossexual. A norma heterossexista que, falsamente pressupõe um
destino nos órgãos sexuais, é uma das expressões mais brutais da
discriminação pelo corpo.
A homofobia mata, segrega e oprime. Causa uma das maiores
inquietações pelo corpo – o de habitar-se sem se reconhecer como
legítimo ao olhar do outro. Uma criança, um adolescente ou jovem
lésbica, gay, bissexual, travesti ou transexual experimenta a solidão.
Não é a toa que a analogia do armário é tão poderosa.
Mas o armário não é só o segredo diante do outro e, talvez, de si
mesmo: é principalmente viver em um próprio corpo embalsamado pelo medo e
pela vergonha. O cadeado do armário está nas mãos dos homófobos; e
tristemente eles podem ser os pais, irmãos, avós, vizinhos, professores
da escola ou da universidade, pessoas que deveriam oferecer o direito à
igualdade. Eles são os legisladores e a mão armada para o controle da
norma heterossexista.
Sob uma perspectiva política, não basta ser humano para ser digno de
luto. Sem o reconhecimento da vida, não há reconhecimento da violência
ou da perda. As vítimas da violência homofóbica não são pessoas
reconhecidas como dignas de luto ou seres com vidas que valem a pena ser
vividas. São assassinados pela repulsa homofóbica, pela fúria dos
homófobos que imaginam que a vida social seria mais rica e justa sem
suas existências.
A homofobia sempre deixa marcas, sejam as feridas no corpo, o cadáver ou as barreiras do reconhecimento.
A superação da homofobia tem desafios imediatos, outros ainda maiores
que, devem ser construídos cotidianamente a partir de uma nova cultura
política que, tenha a liberdade e igualdade sexual como pressuposto
político, ideológico e pratico.
O desafio de estabelecer um Estado laico de fato é um dos que caracterizo como imediato.
Laicidade é um dispositivo jurídico que garante a neutralidade dos
atos oficiais do Estado e das instituições públicas. A laicidade do
Estado tem, pelo menos, dois compromissos éticos e políticos: nenhum
grupo religioso será perseguido e a liberdade de crença será garantida a
todas as pessoas. É pelo dispositivo da laicidade que a pluralidade
religiosa e moral de uma sociedade se anima. Em um Estado laico, há
crentes religiosos e não-crentes religiosos. Há religiões no plural; e
crenças no superlativo. Não falo apenas de religião, mas de crenças
cujas matrizes filosóficas podem ser tão diversas quanto à criatividade
humana.
Destaco que, não há anterioridade do fato religioso à ordem jurídica.
Isso significa que as religiões devem se submeter à ordem jurídica
democrática como todas as outras comunidades, como é o caso, por
exemplo, dos partidos políticos ou dos movimentos sociais
Nem religião, nem o humor – dois espaços onde a tese da liberdade de
expressão é utilizada para justificar discursos abjetos – são campos
livres do respeito dos direitos humanos, nenhum grupo social se localiza
fora do ordenamento jurídico constitucional.
A liberdade de expressão não se confunde com discurso de ódio. O que
há por trás da falsa tese da liberdade de expressão religiosa é um
desrespeito à integridade e à dignidade das pessoas que se apresentam
fora da norma heterossexual. Ao contrário da tese de liberdade de
expressão, descrevo essas práticas e discursos como homofobia.
Religião, ou qualquer outra crença de caráter associativo, não é um
passe livre para a violação dos direitos humanos. É a laicidade do
Estado o que garante que práticas discriminatórias não serão acobertadas
pelo direito à liberdade religiosa: as crenças devem se subordinar aos
princípios da cultura dos direitos humanos – esses últimos, os únicos
universais para a ordem política. Como qualquer outra prática social,
as religiões devem se submeter às regras do político, do justo e da
igualdade. Por isso, não tenho dúvidas em afirmar que não há liberdade
religiosa que autorize a homofobia.
Neste sentido, a escola e a universidade devem ser espaços laicos e
livres de preconceito, prioritários para as ações duradouras de promoção
da igualdade. A educação mira o futuro, além de atuar no presente é
nela que nosso principal esforço para a igualdade sexual precisa estar.
Para a superação da homofobia, a educação tem que se dar em um espaço
que promova valores compartilhados para a cidadania e rompa as amarras
da resistência homofóbica e heteronormativa que ronda as ações de
igualdade sexual. A homofobia está nas escolas, assim como na Avenida
Paulista ou nas igrejas.
A liberdade sexual é um valor fundamental à ordem jurídica e por isso
deve estar traduzida em ações e iniciativas pedagógicas. Educação
sexual livre de preconceitos é uma delas.
No dia que em luta, aludimos o combate à homofobia, desafiemo-nos a
construir uma nova cultura política, uma sociedade libertária,
solidária, multi-étnica e com liberdade e igualdade sexual. Que as
crenças, o ódio, a repulsa, o preconceito e a discriminação não refugiem
nossos jovens, não matem nossos amigos, não nos torne cada vez mais
desiguais.
*Amanda Jaqueline Teixeira Militante da Democracia Socialista
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