quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Os Caminhos de Marina


A avaliação que faço dos últimos minutos da prorrogação que mudaram (por enquanto) o destino do campeonato é de que devemos ter humildade e reconhecer nossos erros. Sobre tudo, por não conter a eufórica militância com o clima de já ganhou.

A grande mídia elitista pró Serra cumpriu o seu papel, e mais uma vez fomos vítimas de uma enchurrada de ataques vindos de todos os lados; além da grande arrancada de Marina, que no último minuto subiu avançou rumo à área do adversário, e como um exímio centroavante acertou uma bola na trave. Trazendo novos episódios e emoções para o cenário eleitoral brasileiro.

A "Onda Verde" marca uma nova etapa na história do Brasil, que começa a ser construída a partir de agora, onde o povo brasileiro terá a oportunidade de participar do plebiscito popular.

A consolidação da ruptura do projeto democrático popular encabeçado pelo PT e os partidos de esquerda, torna-se viável a partir desse novo cenário, onde a polarização dos projetos Lula x FHC terá maior dimensão. Um eventual apoio de Marina à um dos presidenciáveis certamente influenciará na decisão de muitos dos seus quase 20 milhões de eleitores.

É bem verdade que muitos dos atuais dirigentes do PV preferem Serra a Dilma, visto alianças em estados importantes da federação: São Paulo, Rio de Janeiro e Distro Federal. Porém Marina não pode agora, se opor aos ex-companheiros de luta das mais variadas frentes de atuação, ao mesmos tempo em que aliasse aos opressores desses mesmos ex-companheiros e da própria Marina.

Abaixo, belo artigo de Leonardo Boff

O Brasil está ainda em construção. Somos inteiros, mas não acabados. Nas bases e nas discussões políticas sempre se suscita a questão: que Brasil finalmente queremos?

E então que surgem os vários projetos políticos elaborados a partir de forças sociais com seus interesses econômicos e ideológicos com os quais pretendem moldar o Brasil.

Agora, no segundo turno das eleições presidenciais, tais projetos repontam com clareza. É importante o cidadão consciente dar-se conta do que está em jogo para além das palavras e promessas e se colocar criticamente a questão: qual dos projetos atende melhor às urgências das maiorias que sempre foram as “humilhadas e ofendidas” e consideradas “zeros econômicos” pelo pouco que produzem e consomem.

Essas maiorias conseguiram se organizar, criar sua consciência própria, elaborar o seu projeto de Brasil e digamos, sinceramente, chegaram a fazer de alguém de seu meio presidente do país, Luiz Inácio Lula da Silva. Foi uma virada de magnitude histórica.

Há dois projetos em ação: um é o neoliberal ainda vigente no mundo e no Brasil apesar da derrota de suas principais teses na crise econômico-financeira de 2008. Esse nome visa dissimular aos olhos de todos, o caráter altamente depredador do processo de acumulação, concentrador de renda que tem como contrapartida o aumento vertiginoso das injustiças, da exclusão e da fome. Para facilitar a dominação do capital mundializado, procura-se enfraquecer o Estado, flexibilizar as legislações e privatizar os setores rentáveis dos bens públicos.

O Brasil sob o governo de Fernando Henrique Cardoso embarcou alegremente neste barco a ponto de no final de seu mandato quase afundar o Brasil. Para dar certo, ele postulou uma população menor do que aquela existente. Cresceu a multidão dos excluídos. Os pequenos ensaios de inclusão foram apenas ensaios para disfarçar as contradições inocultáveis.

Os portadores deste projeto são aqueles partidos ou coligações, encabeçados pelo PSDB, que sempre estiveram no poder com seus fartos benesses. Este projeto prolonga a lógica do colonialismo, do neocolonialismo e do globocolonialismo, pois sempre se atém aos ditames dos países centrais.

José Serra do PSDB representa esse ideário. Por detrás dele estão o agrobusiness, o latifúndio tecnicamente moderno e ideologicamente retrógrado, parte da burguesia financeira e industrial. É o núcleo central do velho Brasil das elites que precisamos vencer pois elas sempre procuram abortar a chance de um Brasil moderno com uma democracia inclusiva.

O outro projeto é o da democracia social e popular do PT. Sua base social é o povo organizado e todos aqueles que pela vida afora se empenharam por um outro Brasil. Este projeto se constrói de baixo para cima e de dentro para fora.
Quer forjar uma nação autônoma, capaz de democratizar a cidadania, mobilizar a sociedade e o Estado para erradicar, a curto prazo, a fome e a pobreza, garantir um desenvolvimento social includente que diminua as desigualdades. Esse projeto quer um Brasil aberto ao diálogo com todos, visa a integração continental e pratica uma política externa autônoma, fundada no ganha-ganha e não na truculência do mais forte.

Ora, o governo Lula deu corpo a este projeto. Produziu uma inclusão social de mais de 30 milhões, e uma diminuição do fosso entre ricos e pobres, nunca assistido em nossa história. Representou em termos políticos uma revolução social de cunho popular, pois deu novo rumo ao nosso destino. Essa virada deve ser mantida, pois faz bem a todos, principalmente às grandes maiorias, pois lhes devolveu a dignidade negada.

Dilma Rousseff se propõe garantir e aprofundar a continuidade deste projeto que deu certo. Muito foi feito, mas muito falta ainda por fazer, pois a chaga social dura já há séculos e sangra.

É aqui que entra a missão de Marina Silva com seus cerca de vinte milhões de votos. Ela mostrou que há uma faceta significativa do eleitorado que quer enriquecer o projeto da democracia social e popular. Esta precisa assumir estrategicamente a questão da natureza, impedir sua devastação pelas monoculturas, ensaiar uma nova benevolência para com a Mãe Terra.

Marina em sua campanha lançou esse programa. Seguramente se inclinará para o lado de onde veio, o PT, que ajudou a construir e agora a enriquecer. Cabe ao PT escutar esta voz que vem das ruas e com humildade saber abrir-se ao ambiental. Sonhamos com uma democracia social, popular e ecológica que reconcilie ser humano e natureza para garantir um futuro comum feliz para nós e para a humanidade que nos olha cheia de esperança.

Leonardo Boff é teólogo e filósofo.

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