Por Nelma Cristina Silva Barbosa*
As cotas sempre são um assunto polêmico, mas quando o debate ocorre entre membros da academia o cenário é ainda mais curioso. A universidade é a instituição que toma para si a autoridade da produção de saberes válidos para toda a sociedade através da rigidez científica e de sua pseudo-neutralidade – neutralidade essa que sempre favorece o enunciado eurorreferenciado, branco, masculino, heterossexual, cristão e capitalista. Esse tipo de discussão expõe o racismo “nem um pingo cordial” do meio acadêmico, que insiste em orientar as nossas mentalidades e posicionamentos sociais.
Mas quem manda na universidade? Os grupos humanos detentores de poder na sociedade, uma tal de “elite”. Na Bahia, essa elite é formada por mestiços de pele clara, os brancos baianos. Afinal, cor e classe no Brasil caminham juntas. Essa tal elite, aliás, sempre se beneficiou das cotas, cotas para brancos. Portanto, sempre teve mais oportunidades de ascensão social.
O que dizer do vestibular, ferramenta que exclui aqueles que não foram treinados em colégios particulares? E quanto a mobilização anti-Enem que assistimos? Antes da unificação do vestibular, a seleção para ingresso de alunos era feita na própria faculdade. Sabe-se de algum filho de governador ou desembargador que tentasse ingressar no ensino superior por esse processo e que ficasse de fora naquele tempo? Será que não há mesmo nenhuma semelhança com o que acontece ainda em algumas seleções de mestrados e doutorados, feitas diretamente nos programas de pós-graduação? Será que não há também reserva de vagas (cotas) seguindo um mérito tão comum na academia: o da condição de amigos e parentes? Quem entra na universidade por esse tipo de cota sempre foi chamado de brilhante, inteligente e os outros, aqueles que furam o cerco, são apenas os “esforçados” e recentemente “cotistas”. Não fossem os “esforçadinhos” n ão teríamos exceções como Milton Santos, por exemplo.
As cotas para brancos tem sido responsáveis pela presença de seres marcantes e notáveis na vida universitária e da sociedade em geral. Vejamos: no início do século XX um governador atribuiu o atraso econômico baiano à quantidade de mestiços e negros. Noutro dia, já no século XXI, um professor universitário atribuiu as notas baixas de alunos de medicina à presença negra na universidade.
Parafraseando um certo escritor (acadêmico também), autor de artigo recente desta coluna, “qualquer idiota ocupa cargo – devido às “cotas” para brancos.
A Bahia, governada pelas cotas para brancos, reflete em suas vergonhosas estatísticas sociais e educacionais as conseqüências desta prática. Os números revelam que as desigualdades sociais se originaram das desigualdades raciais, provando que no Brasil nunca houve democracia racial. Mesmo lutando e sendo, dessa forma, sujeito das transformações sociais, os negros não conseguiram eliminar o preconceito e a discriminação existente na sociedade brasileira e em suas estruturas de poder, especialmente aquelas ligadas a Educação. Organizados, ativistas negros somam conquistas na luta para a igualdade racial no Brasil, tais como o aparato legal anti-racista que já temos (racismo só se tornou crime inafiançável e imprescritível a partir da Constituição de 1988) e ainda a reparação social por meio de políticas afirmativas como a reserva de vagas no ensino superior. O cumprimento destas conquistas, algumas até já garantidas por lei, não é tarefa fácil, pois os conservadores racistas continuam alerta e armados para sua perpetuação nos espaços de poder.
Poderíamos listar aqui os sobrenomes de famílias de tradição acadêmica, famílias cotistas, eu diria! Lá encontraremos resquícios da decadente oligarquia baiana reinando em suas cátedras. Basta fazer a conexão de nomes e relações de parentesco nas universidades e uma análise mais apurada dos processos de seleção dos concursos públicos para docente universitário, para bolsistas de iniciação científica ou para alunos de pós-graduação que perceberemos as cotas para brancos, que de tão alvas já se tornaram invisíveis e intocáveis.
*Nelma Barbosa
Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano)
As cotas sempre são um assunto polêmico, mas quando o debate ocorre entre membros da academia o cenário é ainda mais curioso. A universidade é a instituição que toma para si a autoridade da produção de saberes válidos para toda a sociedade através da rigidez científica e de sua pseudo-neutralidade – neutralidade essa que sempre favorece o enunciado eurorreferenciado, branco, masculino, heterossexual, cristão e capitalista. Esse tipo de discussão expõe o racismo “nem um pingo cordial” do meio acadêmico, que insiste em orientar as nossas mentalidades e posicionamentos sociais.
Mas quem manda na universidade? Os grupos humanos detentores de poder na sociedade, uma tal de “elite”. Na Bahia, essa elite é formada por mestiços de pele clara, os brancos baianos. Afinal, cor e classe no Brasil caminham juntas. Essa tal elite, aliás, sempre se beneficiou das cotas, cotas para brancos. Portanto, sempre teve mais oportunidades de ascensão social.
O que dizer do vestibular, ferramenta que exclui aqueles que não foram treinados em colégios particulares? E quanto a mobilização anti-Enem que assistimos? Antes da unificação do vestibular, a seleção para ingresso de alunos era feita na própria faculdade. Sabe-se de algum filho de governador ou desembargador que tentasse ingressar no ensino superior por esse processo e que ficasse de fora naquele tempo? Será que não há mesmo nenhuma semelhança com o que acontece ainda em algumas seleções de mestrados e doutorados, feitas diretamente nos programas de pós-graduação? Será que não há também reserva de vagas (cotas) seguindo um mérito tão comum na academia: o da condição de amigos e parentes? Quem entra na universidade por esse tipo de cota sempre foi chamado de brilhante, inteligente e os outros, aqueles que furam o cerco, são apenas os “esforçados” e recentemente “cotistas”. Não fossem os “esforçadinhos” n ão teríamos exceções como Milton Santos, por exemplo.
As cotas para brancos tem sido responsáveis pela presença de seres marcantes e notáveis na vida universitária e da sociedade em geral. Vejamos: no início do século XX um governador atribuiu o atraso econômico baiano à quantidade de mestiços e negros. Noutro dia, já no século XXI, um professor universitário atribuiu as notas baixas de alunos de medicina à presença negra na universidade.
Parafraseando um certo escritor (acadêmico também), autor de artigo recente desta coluna, “qualquer idiota ocupa cargo – devido às “cotas” para brancos.
A Bahia, governada pelas cotas para brancos, reflete em suas vergonhosas estatísticas sociais e educacionais as conseqüências desta prática. Os números revelam que as desigualdades sociais se originaram das desigualdades raciais, provando que no Brasil nunca houve democracia racial. Mesmo lutando e sendo, dessa forma, sujeito das transformações sociais, os negros não conseguiram eliminar o preconceito e a discriminação existente na sociedade brasileira e em suas estruturas de poder, especialmente aquelas ligadas a Educação. Organizados, ativistas negros somam conquistas na luta para a igualdade racial no Brasil, tais como o aparato legal anti-racista que já temos (racismo só se tornou crime inafiançável e imprescritível a partir da Constituição de 1988) e ainda a reparação social por meio de políticas afirmativas como a reserva de vagas no ensino superior. O cumprimento destas conquistas, algumas até já garantidas por lei, não é tarefa fácil, pois os conservadores racistas continuam alerta e armados para sua perpetuação nos espaços de poder.
Poderíamos listar aqui os sobrenomes de famílias de tradição acadêmica, famílias cotistas, eu diria! Lá encontraremos resquícios da decadente oligarquia baiana reinando em suas cátedras. Basta fazer a conexão de nomes e relações de parentesco nas universidades e uma análise mais apurada dos processos de seleção dos concursos públicos para docente universitário, para bolsistas de iniciação científica ou para alunos de pós-graduação que perceberemos as cotas para brancos, que de tão alvas já se tornaram invisíveis e intocáveis.
*Nelma Barbosa
Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IF Baiano)
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