“Se se entende que toda transgressão contra a propriedade, sem entrar em distinções, é um roubo, não será um roubo toda a propriedade privada? Acaso minha propriedade privada não exclui a todo terceiro desta propriedade? Não lesiono com isso, portanto, seu direito de propriedade?” (Karl Marx)
O limite político do liberalismo sempre foi a igualdade jurídica dos cidadãos. Os cidadãos seriam iguais diante da lei, mas desiguais entre si. A igualdade possível seria a eqüidade. A discussão das cotas abriu uma polêmica na sociedade brasileira, alguns defendendo o princípio meritocrático, e outros defendendo as políticas afirmativas. As cotas sociais e raciais são pequenas reformas ou medidas de emergência, um paliativo, que não podem inverter a dinâmica decadente do capitalismo periférico. Mas, a valorização progressiva que os socialistas fazem das cotas sociais e raciais só pode ser contextualizada à luz de uma equação mais ampla: seu compromisso com a igualdade social.
Iguais e diversos remetendo as formas econômicas da organização social contemporânea às características de uma natureza humana invariável – o homem como lobo do homem - o liberalismo fundamentava a justificação do capitalismo na desigualdade natural.
O marxismo percebia que os homens eram, ao mesmo tempo, iguais e desiguais. Reconhecia que a humanidade era diversa, os seres humanos possuindo capacidades e talentos variáveis, sublinhando, porém, que as necessidades mais intensamente sentidas eram iguais. Mais ou menos inteligentes, mais ou menos corajosos, todos os seres humanos compartilharam, geração após geração, uma experiência comum: a necessidade de alimentação, vestimenta, abrigo, aprendizagem, segurança e diversão foram iguais para todos.
O programa socialista inscreveu na História a necessidade da luta contra a propriedade privada para defender o direito à vida. O socialismo elevou o direito ao trabalho, à moradia, educação, transporte e lazer, como a missão fundamental da vida civilizada, e o sentido da história pelo qual vale a pena lutar. A universalização dos direitos sociais remete ao cerne do projeto socialista: a luta pela liberdade humana, em que o trabalho deixe de ser um castigo para os explorados, e passe a ser a plena realização do potencial criativo de busca de conhecimento, beleza e solidariedade.
1 MARX, Karl, Os debates na Dieta Renana sobre as leis castigando os roubos de lenha, in Escritos de Juventud, México, Fondo de Cultura Econômica, 1987, p.251.
A luta contra as opressões é indivisível da luta contra a exploração. Os socialistas insistem na centralidade da luta contra a exploração, reconhecendo a legitimidade das lutas contra a opressão. Os argumentos dos que defendem a eqüidade, a igualdade de oportunidades contra as cotas, diminui a radicalidade do combate pela igualdade social. A igualdade jurídica é o limite teórico do liberalismo. O socialismo quer mais.
A sociedade burguesa histórica nunca pode realizar sequer a eqüidade. Em país algum, os cidadãos são iguais diante da lei, porque os donos do capital podem mais. Ser branco pobre no Brasil, nunca foi o mesmo que ser negro pobre. A igualdade de oportunidades não pode corrigir, em prazos breves, estas desigualdades. Apresentar aos trabalhadores negros o mesmo programa que se apresenta aos trabalhadores brancos significa calar sobre sua condição.
O marxismo defendeu que a passagem a uma sociedade socialista deveria ser compreendida pelo critério de distribuição de “cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”, construído pela socialização da propriedade.
Seu objetivo é a gratuidade da alimentação, da educação, da saúde, dos transportes ou do lazer. A distribuição segundo a satisfação das necessidades exigirá, portanto, ir além do regime do trabalho assalariado. O trabalho no socialismo deixará de ser um martírio, para alcançar o estatuto de plena realização humana. Os marxistas nunca se iludiram, todavia, que este princípio organizador da distribuição pudesse ser implantado imediatamente, ou à escala de um só país. De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo o trabalho realizado.
O marxismo propôs como princípio de distribuição para uma sociedade de transição “de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo o trabalho realizado”. Mas a eqüidade é ainda uma igualdade formal. Ao reconhecer que a distribuição seria regulada segundo o trabalho realizado, portanto, salários desiguais, os socialistas estavam admitindo uma distribuição desigual, transitoriamente, o que é o mesmo que aceitar algum critério de racionamento. A questão colocada seria como definir os produtos e serviços que seriam racionados, e quem os receberiam.
Os socialistas reconheceram que a diminuição da desigualdade social impulsionada pelo princípio de distribuição meritocrático – a tirania do esforço ou do talento – não garantiria ainda a igualdade social, porque estaríamos diante de um tratamento igual para os desiguais, perpetuando-a. Trabalhos diferentes, pela complexidade da educação exigida, ou pela intensidade do desgaste ou ainda do perigo, não poderiam ter salários iguais. Aceitaram a necessidade de seleção para o acesso às melhores oportunidades. Descartaram o sorteio porque seria ainda pior, premiando o acaso, e desqualificando o sacrifício ou a capacidade.
A igualdade social é, contudo, um objetivo superior à igualdade de oportunidades. A meritocracia considera de forma igual os desiguais. Os socialistas defendem que, em uma sociedade desigual, para que se diminuam as diferenças sociais, não bastaria a equidade, seria necessária tratar de forma desigual os desiguais. Admitiram, portanto, fatores de correção social e culturalmente progressivos dos critérios meritocráticos.
Essa discussão, as discriminações positivas para aqueles que foram vítimas de opressões seculares, surgiu a propósito das reivindicações das mulheres e dos setores mais explorados dos trabalhadores, mas o critério é o mesmo quando discutimos o racismo.
Cotas são justas, porém insuficientes. No Brasil do início do século XXI a mobilidade social é muito pequena. O capitalismo periférico mantém taxas de crescimento que não superam as taxas de natalidade, o desemprego oscila dento de margens muito elevadas, e os salários médios ora ficam estagnados, ora caiem. A escolaridade média não supera os seis anos, quando já atingiu os doze anos na Europa do Mediterrâneo e os dezesseis anos na Europa nórdica. Pelo menos metade da população brasileira com mais de quinze anos de idade é iletrada, ou seja, não reconhece sentido no que lê. O governo Lula foi incapaz de inverter o sentido histórico decadente que se abate como um flagelo sobre a população brasileira. As cotas são um bombom em um bolo envenenado: a reforma universitária que legaliza a transferência de verbas públicas para o ensino privado, através do Prouni, anistiando as dívidas fiscais de um setor que estima faturar dezenas de bilhões de reais em 2006.
Todos sabemos que os inscritos no vestibular de acesso às universidades públicas têm igualdade de condições formais, portanto, abstratas, porque a seleção será decidida favorecendo os que tiveram melhores condições de preparação. As políticas afirmativas de cotas de acesso ao ensino público ou aos concursos públicos para afrodescendentes corrigem, parcialmente, mas corrigem, um obstáculo que só é invisível para os que secundarizam o racismo.
Opor às cotas a bandeira do acesso livre para todos parece um argumento razoável, mas não é. O ensino de qualidade significa a desmercantilização de uma das necessidades humanas mais sentidas. Nem um governo dos trabalhadores, pelo menos nas fases iniciais da transição ao socialismo num país como o Brasil, poderia garantir acesso irrestrito ao ensino superior para todos, ou em qualquer curso.
O que se está defendendo contra as cotas, portanto, não é acesso universal, mas um critério de seleção, o meritocrático. Este critério é mais justo do que o racionamento pelo preço das mensalidades – a seleção determinada pelas diferenças de classe – mas, isso não faz dele um critério igualitarista. Igualitarista é tratar de forma desigual os desiguais, favorecendo os mais explorados ou oprimidos. Os defensores da meritocracia estrita propõem à juventude operária e negra que estudem mais, fazendo mais cursinhos, e tentem o vestibular outra vez. Esta política não muda nada. A eqüidade é socialmente regressiva. Privilegia o acesso dos mais preparados, ou seja, dos filhos dos setores sociais mais instruídos, excluindo os filhos dos trabalhadores e os negros. O seu resultado será o isolamento político-social dos que defendem as Universidades públicas, como a USP, as Federais e os CEFET’s, beneficiando a campanha pela cobrança de mensalidades e, finalmente, a privatização.
As políticas afirmativas para os filhos dos trabalhadores, vítimas da exploração social, e para negros e indígenas, vítimas de uma opressão específica, são insuficientes, mas justas. Por quê as universidades devem se abrir para os trabalhadores é um tema que nem mereceria polêmica: porque o abismo social brasileiro é indecente. Mas por quê as cotas para negros e indígenas são justas? Porque, apesar das diferenças raciais serem biologicamente irrelevantes, política e culturalmente elas não podem ser ignoradas, seriamente, em um país marcado pela herança da escravidão negra. Os negros são, inquestionavelmente, a parcela mais explorada do proletariado. Não importa qual é a proporção dos negros sobre o conjunto da população. O que importa é que eles são os menos instruídos e os que realizam os trabalhos mais mal remunerados.
Ignorar a condição oprimida específica da população negra, em nome de um programa comum de todos os trabalhadores contra o capital, não vai construir a unidade da classe trabalhadora, mas a sua divisão. O racismo no Brasil não é uma invenção dos líderes dos movimentos negros. Se os socialistas não defenderem, conseqüentemente, um programa contra o racismo, agora e já, e não depois da conquista do poder, e derem as costas para suas reivindicações – entre elas as cotas - estarão afastando estes movimentos da luta unificada dos trabalhadores. A demissão dos socialistas da luta contra a opressão estará favorecendo o surgimento de um movimento negro sob influência de lideranças anti-socialistas.
As políticas de cotas são insuficientes, porque não podem mudar, substancialmente, a condição do negro sob o capitalismo. A igualdade social só será conquistada quando todos os que assim quiserem - sem seleção pelo mérito ou por sorteio - possam realizar seus estudos superiores, e existam vagas suficientes em universidades com ensino de qualidade equivalente, ou seja, no socialismo. A juventude negra só terá um futuro melhor se unir sua luta com toda a juventude trabalhadora, A libertação dos negros só será possível com a libertação do povo brasileiro.
Valério Arcary é professor do CEFET/SP, é autor d’As esquinas perigosas da história, e do conselho da revista Outubro.
O limite político do liberalismo sempre foi a igualdade jurídica dos cidadãos. Os cidadãos seriam iguais diante da lei, mas desiguais entre si. A igualdade possível seria a eqüidade. A discussão das cotas abriu uma polêmica na sociedade brasileira, alguns defendendo o princípio meritocrático, e outros defendendo as políticas afirmativas. As cotas sociais e raciais são pequenas reformas ou medidas de emergência, um paliativo, que não podem inverter a dinâmica decadente do capitalismo periférico. Mas, a valorização progressiva que os socialistas fazem das cotas sociais e raciais só pode ser contextualizada à luz de uma equação mais ampla: seu compromisso com a igualdade social.
Iguais e diversos remetendo as formas econômicas da organização social contemporânea às características de uma natureza humana invariável – o homem como lobo do homem - o liberalismo fundamentava a justificação do capitalismo na desigualdade natural.
O marxismo percebia que os homens eram, ao mesmo tempo, iguais e desiguais. Reconhecia que a humanidade era diversa, os seres humanos possuindo capacidades e talentos variáveis, sublinhando, porém, que as necessidades mais intensamente sentidas eram iguais. Mais ou menos inteligentes, mais ou menos corajosos, todos os seres humanos compartilharam, geração após geração, uma experiência comum: a necessidade de alimentação, vestimenta, abrigo, aprendizagem, segurança e diversão foram iguais para todos.
O programa socialista inscreveu na História a necessidade da luta contra a propriedade privada para defender o direito à vida. O socialismo elevou o direito ao trabalho, à moradia, educação, transporte e lazer, como a missão fundamental da vida civilizada, e o sentido da história pelo qual vale a pena lutar. A universalização dos direitos sociais remete ao cerne do projeto socialista: a luta pela liberdade humana, em que o trabalho deixe de ser um castigo para os explorados, e passe a ser a plena realização do potencial criativo de busca de conhecimento, beleza e solidariedade.
1 MARX, Karl, Os debates na Dieta Renana sobre as leis castigando os roubos de lenha, in Escritos de Juventud, México, Fondo de Cultura Econômica, 1987, p.251.
A luta contra as opressões é indivisível da luta contra a exploração. Os socialistas insistem na centralidade da luta contra a exploração, reconhecendo a legitimidade das lutas contra a opressão. Os argumentos dos que defendem a eqüidade, a igualdade de oportunidades contra as cotas, diminui a radicalidade do combate pela igualdade social. A igualdade jurídica é o limite teórico do liberalismo. O socialismo quer mais.
A sociedade burguesa histórica nunca pode realizar sequer a eqüidade. Em país algum, os cidadãos são iguais diante da lei, porque os donos do capital podem mais. Ser branco pobre no Brasil, nunca foi o mesmo que ser negro pobre. A igualdade de oportunidades não pode corrigir, em prazos breves, estas desigualdades. Apresentar aos trabalhadores negros o mesmo programa que se apresenta aos trabalhadores brancos significa calar sobre sua condição.
O marxismo defendeu que a passagem a uma sociedade socialista deveria ser compreendida pelo critério de distribuição de “cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”, construído pela socialização da propriedade.
Seu objetivo é a gratuidade da alimentação, da educação, da saúde, dos transportes ou do lazer. A distribuição segundo a satisfação das necessidades exigirá, portanto, ir além do regime do trabalho assalariado. O trabalho no socialismo deixará de ser um martírio, para alcançar o estatuto de plena realização humana. Os marxistas nunca se iludiram, todavia, que este princípio organizador da distribuição pudesse ser implantado imediatamente, ou à escala de um só país. De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo o trabalho realizado.
O marxismo propôs como princípio de distribuição para uma sociedade de transição “de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo o trabalho realizado”. Mas a eqüidade é ainda uma igualdade formal. Ao reconhecer que a distribuição seria regulada segundo o trabalho realizado, portanto, salários desiguais, os socialistas estavam admitindo uma distribuição desigual, transitoriamente, o que é o mesmo que aceitar algum critério de racionamento. A questão colocada seria como definir os produtos e serviços que seriam racionados, e quem os receberiam.
Os socialistas reconheceram que a diminuição da desigualdade social impulsionada pelo princípio de distribuição meritocrático – a tirania do esforço ou do talento – não garantiria ainda a igualdade social, porque estaríamos diante de um tratamento igual para os desiguais, perpetuando-a. Trabalhos diferentes, pela complexidade da educação exigida, ou pela intensidade do desgaste ou ainda do perigo, não poderiam ter salários iguais. Aceitaram a necessidade de seleção para o acesso às melhores oportunidades. Descartaram o sorteio porque seria ainda pior, premiando o acaso, e desqualificando o sacrifício ou a capacidade.
A igualdade social é, contudo, um objetivo superior à igualdade de oportunidades. A meritocracia considera de forma igual os desiguais. Os socialistas defendem que, em uma sociedade desigual, para que se diminuam as diferenças sociais, não bastaria a equidade, seria necessária tratar de forma desigual os desiguais. Admitiram, portanto, fatores de correção social e culturalmente progressivos dos critérios meritocráticos.
Essa discussão, as discriminações positivas para aqueles que foram vítimas de opressões seculares, surgiu a propósito das reivindicações das mulheres e dos setores mais explorados dos trabalhadores, mas o critério é o mesmo quando discutimos o racismo.
Cotas são justas, porém insuficientes. No Brasil do início do século XXI a mobilidade social é muito pequena. O capitalismo periférico mantém taxas de crescimento que não superam as taxas de natalidade, o desemprego oscila dento de margens muito elevadas, e os salários médios ora ficam estagnados, ora caiem. A escolaridade média não supera os seis anos, quando já atingiu os doze anos na Europa do Mediterrâneo e os dezesseis anos na Europa nórdica. Pelo menos metade da população brasileira com mais de quinze anos de idade é iletrada, ou seja, não reconhece sentido no que lê. O governo Lula foi incapaz de inverter o sentido histórico decadente que se abate como um flagelo sobre a população brasileira. As cotas são um bombom em um bolo envenenado: a reforma universitária que legaliza a transferência de verbas públicas para o ensino privado, através do Prouni, anistiando as dívidas fiscais de um setor que estima faturar dezenas de bilhões de reais em 2006.
Todos sabemos que os inscritos no vestibular de acesso às universidades públicas têm igualdade de condições formais, portanto, abstratas, porque a seleção será decidida favorecendo os que tiveram melhores condições de preparação. As políticas afirmativas de cotas de acesso ao ensino público ou aos concursos públicos para afrodescendentes corrigem, parcialmente, mas corrigem, um obstáculo que só é invisível para os que secundarizam o racismo.
Opor às cotas a bandeira do acesso livre para todos parece um argumento razoável, mas não é. O ensino de qualidade significa a desmercantilização de uma das necessidades humanas mais sentidas. Nem um governo dos trabalhadores, pelo menos nas fases iniciais da transição ao socialismo num país como o Brasil, poderia garantir acesso irrestrito ao ensino superior para todos, ou em qualquer curso.
O que se está defendendo contra as cotas, portanto, não é acesso universal, mas um critério de seleção, o meritocrático. Este critério é mais justo do que o racionamento pelo preço das mensalidades – a seleção determinada pelas diferenças de classe – mas, isso não faz dele um critério igualitarista. Igualitarista é tratar de forma desigual os desiguais, favorecendo os mais explorados ou oprimidos. Os defensores da meritocracia estrita propõem à juventude operária e negra que estudem mais, fazendo mais cursinhos, e tentem o vestibular outra vez. Esta política não muda nada. A eqüidade é socialmente regressiva. Privilegia o acesso dos mais preparados, ou seja, dos filhos dos setores sociais mais instruídos, excluindo os filhos dos trabalhadores e os negros. O seu resultado será o isolamento político-social dos que defendem as Universidades públicas, como a USP, as Federais e os CEFET’s, beneficiando a campanha pela cobrança de mensalidades e, finalmente, a privatização.
As políticas afirmativas para os filhos dos trabalhadores, vítimas da exploração social, e para negros e indígenas, vítimas de uma opressão específica, são insuficientes, mas justas. Por quê as universidades devem se abrir para os trabalhadores é um tema que nem mereceria polêmica: porque o abismo social brasileiro é indecente. Mas por quê as cotas para negros e indígenas são justas? Porque, apesar das diferenças raciais serem biologicamente irrelevantes, política e culturalmente elas não podem ser ignoradas, seriamente, em um país marcado pela herança da escravidão negra. Os negros são, inquestionavelmente, a parcela mais explorada do proletariado. Não importa qual é a proporção dos negros sobre o conjunto da população. O que importa é que eles são os menos instruídos e os que realizam os trabalhos mais mal remunerados.
Ignorar a condição oprimida específica da população negra, em nome de um programa comum de todos os trabalhadores contra o capital, não vai construir a unidade da classe trabalhadora, mas a sua divisão. O racismo no Brasil não é uma invenção dos líderes dos movimentos negros. Se os socialistas não defenderem, conseqüentemente, um programa contra o racismo, agora e já, e não depois da conquista do poder, e derem as costas para suas reivindicações – entre elas as cotas - estarão afastando estes movimentos da luta unificada dos trabalhadores. A demissão dos socialistas da luta contra a opressão estará favorecendo o surgimento de um movimento negro sob influência de lideranças anti-socialistas.
As políticas de cotas são insuficientes, porque não podem mudar, substancialmente, a condição do negro sob o capitalismo. A igualdade social só será conquistada quando todos os que assim quiserem - sem seleção pelo mérito ou por sorteio - possam realizar seus estudos superiores, e existam vagas suficientes em universidades com ensino de qualidade equivalente, ou seja, no socialismo. A juventude negra só terá um futuro melhor se unir sua luta com toda a juventude trabalhadora, A libertação dos negros só será possível com a libertação do povo brasileiro.
Valério Arcary é professor do CEFET/SP, é autor d’As esquinas perigosas da história, e do conselho da revista Outubro.
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