Marcos Coimbra
Quem, nas duas últimas semanas, leu os colunistas dos “grandes jornais” (os três maiores de São Paulo e Rio) deve ter notado a insistência com que falaram (ou deixaram implícito) que as eleições presidenciais não estavam definidas. Contrariando o que as pesquisas mostravam (a avassaladora dianteira de Dilma), fizeram quase um coro de que “nada era definitivo”, pois fatos novos poderiam alterar o cenário.
Talvez imaginassem (desconfiassem, soubessem) que uma “bomba” iria explodir. Tão poderosa que mudaria tudo. De favorita inconteste, Dilma (quem sabe?) desmoronaria, viraria poeira.
Veio o fato novo: o “escândalo da Receita”. Durante dias, foi a única manchete dos três jornais. É muito? Certamente que sim, mas é pouco, em comparação ao auxílio luxuoso da principal emissora de televisão do país. Fazia tempo que um evento do mundo político não ganhava tanto destaque em seus telejornais. Houve noites em que recebeu mais de 10 minutos de cobertura (com direito a ser tratado com o tom circunspecto que seus apresentadores dedicam aos “assuntos graves”).
Hoje, passados 15 dias de quando “estourou” o “escândalo”, as pesquisas mostram que seu impacto foi nulo. A “bomba” esperada pelos que torciam pelo fato novo virou um traque.
Por mais que os “grandes” jornais tenham se esforçado para fazer do “escândalo da Receita” um divisor de águas, ele acabou sendo nada. Tudo continuou igual: Dilma lá na frente, Serra lá atrás.
Tivemos, nesses dias, uma espécie de dueto: um dia, essa imprensa publicava alguma coisa; no outro, a comunicação da campanha Serra a amplificava, dando-lhe “tom emocional”. No terceiro, mais um “fato” era divulgado, alimentando a campanha com um novo conteúdo. E assim por diante.
Um bom exemplo: o “lado humano” da filha de Serra ser alvo dos malfeitores por trás do “escândalo”. Noticiado ontem, virou discurso de campanha no dia seguinte, com direito a tom lacrimejante: “estão fazendo com a filha do Serra o mesmo que fizeram com a filha do Lula”.
Há várias razões para que a opinião pública tenha tratado com indiferença o “escândalo”. A primeira é que ele, simplesmente, não atingiu a imensa maioria do eleitorado, por lhe faltarem os ingredientes necessários a se tornar interessante. O mais óbvio: o que, exatamente, estava sendo imputado a Dilma na história toda? Se, há mais de ano, alguém violou o sigilo tributário de Verônica Serra e de outras pessoas ligadas ao PSDB, o que a candidata do PT tem a ver com isso? É culpa dela? Foi a seu mando? Em que sua candidatura se beneficiou?
A segunda razão tem a ver, provavelmente, com a dificuldade de convencer as pessoas que o episódio comprove o “aparelhamento do estado pelo PT” ou, nas palavras do candidato tucano, a “instrumentalização” do governo pelo partido. Será que é isso mesmo que ele revela?
Se a Receita Federal fosse “aparelhada” ou “instrumentalizada”, por que alguém, a mando do PT (ou da campanha), precisaria recorrer a um estratagema tão tosco? Por que se utilizaria dos serviços de um despachante, mancomunado com funcionários desonestos? Não seria muito mais rápido e barato acessar diretamente os dados de quem quer que seja?
Não se discute aqui se alguém quis montar um dossiê anti-Serra ou se ele chegou a existir. Sobre isso, sabemos duas coisas: 1) é prática corrente na política brasileira (e mundial) a busca de informações sobre adversários, que muitas vezes ultrapassa os limites legais; 2) o tal dossiê nunca foi usado. As vicissitudes da candidatura Serra ao longo da eleição não têm nada a ver com qualquer dossiê.
O próprio “escândalo” mostra que a Receita Federal possui sistemas que permitem constatar falhas de segurança, rastrear onde ocorrem e identificar responsáveis. É possível que, às vezes, alguém consiga driblá-los. No caso em apreço, não.
No mundo perfeito, a Receita é inexpugnável, não existem erros médicos na saúde pública, todos os professores são competentes, não há guardas de trânsito que aceitam uma “cervejinha”. Na vida real, nada disso é uma certeza.
Todos esperam que o governo faça o que deve fazer no episódio (e em todas as situações do gênero): investigue as falhas e puna os responsáveis. Ir além, fazendo dele um “escândalo eleitoral”, é outra coisa, que não convence, pelo que parece, a ninguém.
*Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Nenhum comentário:
Postar um comentário